segunda-feira, 5 de abril de 2010

[Conto] Cenas Que Ficaram na Memória

Parte do céu continuava nublada, das nuvens ainda caiam pingos, enquanto o sol fraquinho de aragem de inverno nordestino ia aparecendo do outro lado, refletindo na água da chuva, dando um colorido semelhante ao das cores do arco-íres. Do alpendre de minha casa eu observava as folhas do pé de laranjeira e do pé de limoeiro, que aos meus olhos eram verdes e viçosas acentuadas com gotículas de água da chuva, lindas!

Cena que marcou uma tarde de infância que não sai de minhas lembranças! Eu meus irmãos e nossos pais sentados à mesa tomando o cafezinho das três... Ninguém imaginava o que estava para acontecer... O sol desapareceu, a intensidade dos pingos da cuva aumentou,veio um trovão, mas tão forte, que parecia que ia acabar o mundo. Logo depois um relâmpago rasgou o céu com ar de heroi, ou sei lá... rebeldia, ou covardia, atigiu um gigantesco coqueiro que ficava a mais ou menos vinte metros de nossas vistas. Foi horrível e assustador! Pela primeira vez vi fogo e água em harmonia e ao mesmo tempo destruindo a vida de uma palmeira que há muitos anos ocupava aquele espaço a beira da cerca que se limitava com o riacho.

Depois de uma hora de chuva, as pessoas saíram de casa, as notícias começaram a aparecer: outras palmeiras foram devastadas pelos relâmpagos como o que destruiu a que havia no fundo de minha casa. Muros e casas mal alicerçadas caíram em ruas de população carente, a erosão causada pela tempestade privou as pessoas de trafegarem, e quem foi de carro teve que voltar a pé, quando não precisava atravessar o riacho, cujo volume de água estava desastroso e bravio. Os pássaros saíram de seus ninhos e com seus seus cânticos deslumbrantes anunciavam a população a passagem do perigo, o frescor do clima, o cheirinho de terra molhada, da relva e as tantas poças d’água espalhadas pelas ruas da cidade, que ainda não eram calçadas, nem asfaltadas...

Recordo-me como se fosse hoje! Como de costume, após cada tempestade, grupinhos de pessoas se formavam em cada esquina noticiando os fatos ocorridos... Muros caídos  casas destruídas  árvores no chão... Plantações alagadas...

Lembro-me bem de meus queridos e saudosos avós, aflitos por meu tio João que estava no campo olhando a plantação. Foi um dia de chuva que jamais presenciei em meu sertão. Nem o riacho existe mais! Mas da história, guardo boas lembranças de seu início em minha memória, que ainda alegram o meu coração. A saudade as vezes aflora de modo que me encontro no mesmo alpendre, não apenas sentindo o cheiro, mas também saboreando aquele aquele cafezinho quente que só minha mãe sabe fazer.

Ilza Saldanha

Oliveira dos Brejinhos,05 de abril de 2010