domingo, 21 de março de 2010

[Conto] A Virada

Mariquinha Rosana Flores dos Santos, eu me lembro bem! Este era o seu nome verdadeiro, quando vivia no sertão nordestino com seu marido e seus oito filhos. De seu marido não cheguei a gravar o nome, porém o seu, devido às tantas vezes que fora convidada para estar nas reuniões de pais e mestres da escola onde trabalho como auxiliar de administração, eu gravei: disse Apolônio.

Trata-se de uma guerreira. Mulher trabalhadeira, uma máquina em constante ativação. Cuidava bem da casa, do marido e dos filhos, era uma flor, cujo perfume estava por toda parte da casa. Além dos cuidados com a casa, lavar roupa para toda a vizinhança, a fim de ajudar nas despesas da família.

Também podia ter evitado colocar tantos filhos no mundo, com a vida difícil que levava! Seu marido era bom, laborioso... Não perdia tempo, topava tudo, não tinha estudo, mas, de servente de pedreiro a encanador ou a qualquer serviço adequado ao seu nível, fazia para manter a casa de alimentos, roupas, calçados e tudo mais.

Mas me diga, por que Mariquinha resolveu enfrentar a vida na cidade grande?

_ Você não soube? Ela foi justamente tentar a melhor sorte, pois depois que seu marido faleceu estava passando até fome com seus filhos!

_ Uai Vicente, o Zé do Burro morreu? Quando foi isso, homem?

_Sim Apolônio, o Zé foi mordido por uma cobra enquanto tralhava na rocinha do fundo de sua casa, onde ele plantava umas coisinhas para auxiliar nas desprezas da família, e quando resolveram procurar um pronto socorro já era tarde. Aí, Mariquinha ficou com o peso de todas as responsabilidades nas costas, por isso arribou-se com os filhos para são Paulo. Disse que o Juquinha já tem dezoito anos, a Mariana dezessete e que na cidade grande há maior chance de trabalharem e todos estudarem.

_ Ah, entendi. Pensando bem, acho que ela tomou o rumo certo, porque onde mora não há como sustentar uma família tão numerosa, sozinha.



Então, no dia 12 de dezembro de 1963, Mariquinha e seus oito filhos partiram para São Paulo. No princípio foi muito difícil. A família teve que dormir ao relento, pois só foram conseguir uma casinha com quarto, banheiro e cozinha, no dia seguinte, graças a um gurda que trabalhava ali por perto, que percebeu as atitudes honestas daquele povo sofrido. O dinheiro era pouco, mal dava para pagar um mês de aluguel juntamente com as desprezas. Mariquinha bateu de porta em porta a procura de roupas para lavar e faxinas para fazer, enquanto Mariana e Juquinha cuidavam da casa e dos irmãos pequenos. Perambulou durante duas semanas e nada.

_ E agora mãe? As coisas de comer estão acabando e o dinheiro que temos é para pagarmos o aluguel! O que vamos fazer?

_ Calma Mariana, ainda há esperança, não podemos desanimar! Vai dar tudo certo.



Mariquinha era persistente, otimista e dinâmica. Acordou cedo no dia seguinte, tomou café com um pedacinho de pão, porque um pão tinha que ser dividido entre duas pessoas por causa das dificuldades vivenciadas, no momento precisavam economizar

_ Olá, para onde você está indo. Perguntou um senhor de cabelos grisalhos.

_ Para onde o destino me levar. Sei que os meus olhos hão de enxergar uma boa direção onde eu possa encontrar a solução para o meu problema. O meu Deus é fiel!

_ E qual é o seu problema?

_ Na verdade não é apenas um problema, são vários.

_ Como assim? Você não está com aparência de de quem tem tantos problemas! Sua expressão facial é alegre e não de uma pessoa sofrida. Qual é mesmo o seu nome? Já conversamos tanto e eu não sei o seu nome e nem você sabe o meu.

_ Mariquinha. Pode me chamar de Mariquinha. É assim que todos me conhecem. Mas, e o seu?

_ Armando.

_ Engraçado! Meu esposo tinha um irmão com este nome.

_ Eu tenho um irmão desaparecido. Nós morávamos em Recife, depois que nossos pais se separaram, eu vim para São Paulo e ele foi para a Bahia. Meus pais faleceram e éramos só nós dois.Você é daqui?

_ Não. Eu sou da Bahia, cheguei aqui há duas semanas atrás. Lá, meu marido foi mordido por uma cobra, demorou de ser socorrido e morreu. No povoado onde morávamos não há recursos para eu e meus filhos sobrevivermos. Como já tenho um filho rapaz e uma filha com dezessete anos, juntamente com os menores, resolvemos vir para uma cidade grande tentar a sorte, trabalhar, estudar...

_ Qual era o nome do seu esposo?

_ José Severo Missias dos Santos. Porém era conhecido por Zé do Burro, porque só andava montado em um burrinho que tínhamos para fazermos as remessas na cidade. Um homem muito bom, trabalhador, que nunca deixou faltar o essencial em casa, até que acontecesse o inesperado, o que já foi explicado antes, durante nossa conversa.

_ Meu Deus! Que mundo pequeno! Era meu irmão! E agora encontro a esposa dele em plena São Paulo! Conte-me sobre vocês!

_ Uma parte eu já lhe falei. Tenho oito filhos: Juquinha, Mariana, Rosinha, Pedro, Terenço, Dário, Juliana e Patrício. Vim para cá com pouco dinheiro, apenas o suficiente para pagar um mês de aluguel e de alimentos, na esperança de arrumar logo um trabalho para mim e para meus filhos mais velhos, colocar as crianças na escola, dar a eles um futuro melhor. Contudo as coisas não estão se saindo como eu esperava. Até o momento estou desempregada e preocupada com o que virá a acontecer. Já me sinto arrependida, acho que não deveria ter saído de minha terra.

_ Não diga isso! Saiba que não estou aqui por um acaso, dificilmente me encontro numa situação dessas. Foi preciso que meu carro tivesse problema, ficasse ali com o mecânico, para que eu pudesse encontrar vocês. É muito importante para mim este encontro, pois além de minha esposa só tenho vocês de parentes. E você não tem porque se arrepender de ter vindo para cá. Quando cheguei aqui fui morar com um casal riquissímo, sem filhos, que fizeram tudo por mim. Eles me amavam! Cuidei deles com carinho até na hora do último suspiro Hoje Sou dono de uma grande herança. Tenho uma empresa, várias propriedades, casas,...Sou casado, mas não tenho filhos. Agora tenho com quem dividir minhas alegrias e tristezas. Amanhã bem cedinho mandarei buscar você e as crianças. Não precisa se preocupar com nada!



Mariquinha chega em casa saltitando de alegria, chama os filho e conta-lhes o ocorrido.

_ Mãe, você está bem? Tem certeza que não foi um sonho?

_ Claro que Não Juquinha! É incrível, mas é verdade. Agora terão a vida que desejavam. Vão cuidar dos dentes, da saúde, estudar, fazer faculdade... Como Deus é fiel! Pena que o Zé não esteja mais entre nós para ver a virada de nossas vidas.

AUTORA: ILZA SALDANHA

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